Aquele da Carta
Era mais uma despedida dela. Me lembro de escrever uma carta imensa. Eu ouvia uma música que dizia: “toda vez que toca o telefone eu penso que é você, toda noite de insônia eu penso em te escrever, escrever uma carta definitiva que não tem alternativa pra quem lê…” era mais ou menos o que eu vivia na época. Eu escrevi. Era carta definitiva, porém covardemente, definitiva só pra mim, era cheia de meias palavras e meios sentimentos, isso naturalmente causou meio impacto e uma década inteira, ou mais, pra ser compreendida. Na verdade não sei dizer ao certo se um dia foi.
Eu sempre tive esse péssimo hábito de deixar as coisas no ar, talvez por esse apego pelo drama e essa mania de achar que não era digno de colocar algo tão precioso em jogo apenas por um “capricho” do meu coração. O fato é que não era um capricho, mas isso só aprendi com o tempo. Sempre achei que eu confundia as coisas. Mas o que eu sentia nunca foi confuso.
Antes de sair de casa, pedi pra um amigo ler a carta e ele como bom amigo me deu uma grande força. Mas acho que no fundo, nós sabiamos que entregar uma carta na noite de despedida é realmente acreditar em romances cinematográficos, esperando que de uma forma mágica, ela interprete todas as meias palavras, entenda o que nem eu entendia e tome todas as iniciativas, inclusive de abrir mão do próprio futuro. Lembra do apego ao drama, então.
Chegamos ao bar de karaokê e eu como perfeito exemplar de péssimo cantor, queria cantar todas, desde o sertanejo brega até as baladas romanticas em espanhol, idioma que até hoje não sei pronunciar uma palavra. Amigos, familiares, ela e uma carta no meu bolso. Ela era tão maravilhosa e parecia tão inacessível que às vezes, eu queria ver no escuro do mundo só pra me transformar no que a agradasse. Não me lembro bem quando entreguei a carta, qual foi a reação dela. Me lembro de pedir para que ela lesse em casa ou na viagem. Mas eu não esqueço a minha cara e a sensação de cachorro quando cai da mudança ao vê-la partir.
Os dias seguintes foram daqueles onde você pensa de tudo, eu chegava até a odiá-la por quase um segundo, mas depois, a amava mais. Eu em tardes vazias cheias de pessoas ao redor, pensava, será que ela ainda pensa em mim? Incontáveis vezes eu quis ouví-la dizer que eu era o causador da insônia dela. Mas o que ela não sabe é que eu sempre a quis, com qualquer humor, com qualquer sorriso, porque só a presença dela me deixava feliz e ainda faz.
Trocamos outras cartas, nenhuma delas “semi-definitivas”, mas todas com muito amor e muita amizade. Um dia as cartas foram substituídas, ora por computador, ora por um silêncio inquietante que durava por meses, mas o amor não, pra esse nunca houve substituto.
Era mais uma despedida dela. Acho que foi ai que aprendi a odiar despedidas.