Aquele sobre o tempo perdido
Era noite quando adentrei aquela escada sombria que me levaria ao lugar mais solitário dentro do meu ser. O lugar onde os pensamentos mais íntimos e infantis residiam, indolentes e sem rumo, livres para usufruírem da formação da minha constituição humana: o chamado inconsciente – fruto ousado das emoções eloquentes e dos desejos mais infames, denegridos pela sociedade, um tanto quanto traumáticos pode-se dizer, mas que de certa forma constituem minha alma sombriamente audaz.
Estava literalmente sozinha, ninguém por perto, naquele espaço apavorante, nenhum vestígio humano ou animal, apenas águas mórbidas ao redor… Aquela escuridão do mar encoberto por uma camada tênue da tempestade sem fim devoradora das emoções fundantes e indagações vorazes: “será que é tarde para me descobrir capaz de enfrentar meus maiores medos? “, “ultrapassar as barreiras do abismo de meu inconsciente? “, “aceitar a morte de meus entes queridos? “… E por ai vai, perguntas sem resposta, pensamentos inconclusos.
Como poderia imaginar que tudo isso não passava de um pesadelo? Assim que me aproximei do relógio com ponteiro quebrado, uma alegoria do tempo perdido com as bobagens da vida terrena, percebi que tudo aquilo em que eu estava vendo e presenciando era nada mais nada menos do que a personificação do meu inconsciente explosivo, e quando acordasse, abrisse os olhos e me deparasse com o céu límpido de verão, todos os meus medos voltariam para o lugar de onde nunca deveriam ter saído: do meu próprio coração.